*Artigo do professor da UVA/ISEAD, Marcelo Teles, publicado no JC, Coluna Opinião, em 19/03/2009
Todos os dias nós seres humanos nos defrontamos com decisões a tomar. Algumas mais simples e outras mais complexas, algumas envolvendo o que chamamos de um dilema ético. Decidir sobre a prisão ou não de quem rouba o erário público e com isso prejudica centenas de pessoas é fácil, porém decidir se fazemos ou não um aborto, se desligamos ou não aparelhos que mantém outro ser humano em uma vida vegetativa é uma decisão difícil de ser tomada.
Malgrado a dificuldade, teremos de decidir e será nosso senso moral quem vai nortear nossa consciência moral no momento de tomar tal decisão. Esse senso moral, forjado desde nossos primeiros dias de vida a partir da introjeção dos valores morais da sociedade a qual estamos vinculados, é quem vai permitir nos posicionar e decidir, emitindo juízos de valor sobre o que é certo ou o que é errado, sobre o bom ou o mau. A decisão ética que vai obviamente decidir sobre o que é certo, sobre o que é o bom, será gestada por esse senso moral construído a partir dos valores morais introjetados.
O caso da pequena de 9 anos, abusada sexualmente pelo padrasto, abuso este que resultou em uma gravidez de gêmeos, colocou em evidência o dilema ético do aborto. É lícito fazer o aborto e suprimir duas vidas? Mas e a pequena mãe que corria risco de perder sua própria vida caso não fosse interrompida a gravidez? Era lícito deixá-la morrer para que não morressem seus filhos. Onde está o certo ou o errado, o bom ou o ruim, o bem ou o mal?
A filósofa Marilena Chauí nos ensina que o senso moral e a consciência moral dizem respeito a valores que estão ligados a algo mais profundo que é nosso desejo de afastar a dor e o sofrimento e de alcançar a felicidade. Todas as vezes que decidimos eticamente, em última instância estamos sendo guiados por esse desejo. Para essa decisão a ser tomada, no caso da criança mãe, algumas pessoas utilizaram argumentos calcados em normas positivas dizendo que a lei permite o aborto quando resultar de estupro ou a mãe correr risco de perder a vida. Outros, por sua vez, valeram-se de argumentos calcados em normas religiosas dizendo que a lei de Deus não permite o aborto. A normatização moral, entretanto, independe da normativa positiva ou religiosa embora em muitos momentos com elas se confunda. Ocorre que a decisão ética é solitária e uma responsabilidade nossa, só depende de nós mesmos e de nosso senso de moralidade. Normas positivas ou religiosas são apenas reforços à decisão.
No caso da criança grávida a decisão é mais complexa porque exige decidir sobre um único bem que é a vida. A vida dos fetos ou a vida da mãe criança. Diferente de decidir, por exemplo, sobre a propriedade e a vida. É lícito a um pai roubar uma galinha para matar a fome de seus filhos, para que assim possam sobreviver? A grande maioria das pessoas certamente responderá que sim embora a norma positiva diga que é crime ou a religiosa diga que é pecado.
O caso da menina mãe põe em relevo também outra questão ética que é o relacionamento sexual de adultos com crianças e adolescentes. No caso das crianças, é uníssona a reação contrária a essa prática, mas quando se trata de adolescentes a sociedade parece aceitar tal violência quando não joga para os meninos e meninas a responsabilidade pela violência sofrida. Todos os dias em nosso País crianças e adolescentes são vítimas de violência sexual seja nas modalidades de abuso ou exploração, englobando esta última o tráfico, a pornografia ou o turismo sexual.
Se toda ação ética tem por fim último a busca da felicidade, urge, portanto uma ação mais enérgica do Estado e da sociedade visando ao enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, pois não se pode ser feliz em um país onde meninos e meninas têm sua sexualidade violada por adultos.
Desse modo, quem sabe no futuro não precisemos nos deparar com dilemas éticos como o experimentado por todos os que se depararam com o triste caso de uma criança de 9 anos grávida de gêmeos.
» Marcelo Teles de Mendonça é psicólogo, advogado, mestre em serviço social e professor de Ética e Cidadania da UVA.
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